Época: O que você falaria para os companheiros nordestinos que estão em São Paulo, no Rio, como está o Nordeste hoje? Vale a pena voltar?
Patativa: A vida está difícil em toda a parte, mas lá está pior porque a legião de nordestinos que tem lá é um absurdo. E o desemprego faz com que eles procurem um meio de voltar para a própria terra. Mesmo sofrendo, mas está sofrendo em sua terra. Mas não vou fazer poesia dentro deste tema não.
Época: É muito triste, né? Não dá vontade, não dá inspiração...
Patativa: Não, inspiração eu tenho em toda hora. Em tudo o que eu quero. É porque eu não lembro nem quero. Naquele tempo, também já tinha gente querendo voltar e não podia. Lá tem muita gente, rapaz, que quer voltar e não pode voltar.
Época: Agora seria a triste volta. A triste partida e agora a triste volta.
Patativa: É.
Época: Algum amigo do senhor que foi embora e voltou para Serra, para Assaré, teve amigo do senhor que voltou já.
Patativa: Tem. Tem muitos que voltaram, mas, não é nem pelo seu sofrimento, e a saudade bate nele, e ele, mesmo sofrendo, deixa sua lembrança no coração e nunca esquece aquele que tem o espírito de patriota e ama a própria terra. Eu pelo menos nasci aqui, neste Assaré, e nunca parti para parte nenhuma. E nem quero sair. Hei de viver aqui até morrer neste meu Assaré. Assaré, de meus amores, onde andei de beco em beco, saíram flor, folhas e flores, só ficou um tronco seco. Mas mesmo assim eu quero viver aqui. Gravador que estás gravando, aqui no nosso ambiente, tu gravas a minha voz, o meu verso e o meu repente. Mas gravador, tu não gravas a dor que meu peito sente. Tu gravas em tua fita com a maior perfeição, o timbre de minha voz e a minha própria expressão, mas não grava a dor grave, gravada em meu coração. Gravador, tu és feliz, e ai de mim o que será, bem pode ser desgravado o que em sua fita está e a dor do meu coração jamais se desgravará.
Época: Muito bonito. São 8 horas da manhã e o senhor já está inspirado. Todo dia é assim?
Patativa: Sempre nasci com esta interação e continua ainda. Embora no vigor da mocidade, cada um pode bem avaliar, que eu tinha mais expressão, pensamento mais rápido, mas com 91 anos, tô com 91 anos, se eu quiser saber por experiência.
Época: O senhor imaginava chegar ao ano 2000, passar o ano 2000, e continuar com esta memória que o senhor tem, lembrar de obras que o senhor fez, de trabalhos que o senhor fez há quarenta, cinqüenta anos?
Patativa: A primeira reportagem que teve foi no jornal de Diário do Nordeste neste ano, foi minha saudação ao ano 2000.
Época: Como é esta saudação?
Patativa: Com amor no coração, faço a minha saudação. Meu bom dia ano 2000, trazendo felicidade, paz, justiça e liberdade, bem-vindo seja ao Brasil. Meu caro amigo 2000 pede com desejos mil, nestes versinhos rasteiros, um poeta que se empenha pedindo que o povo tenha um Brasil dos brasileiros. Ouvindo com atenção, minha solicitação, fiquei muito feliz. Queremos que você traga, desde o campo até a praça, progresso em nosso país. Patativa do Assaré.
Época: Muito bonito, muito bonito. O Senhor trabalhou até mais de 70 na lavoura. Até que idade o senhor trabalhou na roça?
Patativa: 60 e tantos anos. É porque a poesia de outros poetas é diferente do Patativa. Eu nasci com um privilégio admirável, que eu mesmo nunca vi outro fazer. Fazer a sua própria poesia, gravando logo na mente, desviando, repito, na memória. Você pode ler uma estrofe, ficava na mente. Segunda, terceira, até terminar o poema que eu quisesse fazer.
Época: E a grande inspiração do senhor sempre foi a roça, sempre foi a terra, a natureza, por isso que o senhor sempre quis ficar em Santana, em Assaré sem sair daqui. Esta é a grande inspiração do senhor?
Patativa: Naturalmente.
Época: E estes visitantes. Agora, tem o memorial bem aqui na frente, tem o Memorial do Patativa. Quase todos os dias, vêm visita e eles vão no memorial e querem falar com o senhor. Às vezes, o senhor não fica aborrecido com tanta gente que vem aqui?
Patativa: Não. Quanto mais visitas, mais eu me sinto prazenteiro porque eu não fiz provenção da minha lira, para ter como ganhar dinheiro. Eu procurei, estou fazendo ainda, é atrair amizade no Brasil inteiro. Eu quero que o Brasil todo me quer. Você ainda não viu isso não?
Época: É verdade, todo mundo gosta do senhor. É o poeta popular mais querido do Brasil de todos os tempos. É o que todo mundo fala.
Patativa: Aí então, a minha riqueza que eu fiz até agora não é outra. É a própria amizade, é o amor de um para os outros, sem sentido de exploração. É isso o que tenho feito e quero fazer o restante da minha idade.
Época: Esta é a maior alegria que o senhor tem? Esta fraternidade, amizade, amor. Qual o momento de tristeza que o senhor tem?
Patativa: Não, mas a maior riqueza é esta. Aquele que sabe vê o que é a vida, vê que a principal riqueza é o amor de um para os outros. Foi o que Cristo pregou, o direito humano, na Palestina, e tudo aquilo que ele pregou.
Trecho 2 (abaixo, a transcrição do áudio)
Patativa: Eu quero lhe dizer desta poesia cabocla, ou vamos chamar, poesia matuta, o que é que eu sou e o que é que eu canto. Sou filho da mata, cantor da mangrossa, trabalho na roça, tenho verme e destio. A minha choupana é tapada de barro, só fumo cigarro de palha de milho. Sou poeta das brenha, não faço paté, se algum menestré, errante cantor, que vive vagando com a sua viola, cantando pachola para cura de amor. Não tenho sapiência, pois nunca estudei, apenas eu sei o meu nome assinar. O meu pai, coitadinho, vivia-se em pobre, e o filho do pobre não pode estudar. Meu verso rasteiro, singelo e sem graça, não entra na praça no rico salão. Meu gado só entra no campo e na roça, na pobre palhoça, da serra ao sertão. Só canto o bulício, da vida apertada, da vida pesada da roça. E, às vezes, recordando a minha mocidade, canto uma saudade que mora em meu peito. Eu canto o caboclo com suas caçadas, na noite assombrada, que tanto apavora. Por dentro da mata, com tanta coragem, topando com a chamada caipora. Eu canto o vaqueiro, vestido de couro, brigando com o touro no mato fechado. Que pega na ponta, do bravo no vio, ganhando elogio do dono do gado. Eu canto mendigo, de sujo farrapo, com peça de trapo e mochila na mão, que chora pedindo "Socorro, doutor" e tomba de fome, sentado e sem pão. E assim, sem cobiça, eu vivo contente, feliz com a sorte. Morando no campo, sem ver a cidade, cantando as verdades das coisas do Norte.
Época: Qual o nome desta poesia? Muito bonita...
Patativa: Poeta da Roça.
Época: Muito bonito, muito obrigado. Aqui ficou mais bonito na casa do senhor.